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domingo, 25 de abril de 2010

A FIGURA DO ANTAGONISTA EM O CORTIÇO DE ALUÍSIO AZEVEDO


Raimunda Kaciana de Jesus Gomes

RESUMO:

Este artigo tem por finalidade mostrar o Realismo e o Naturalismo na perspectiva de traçar um panorama histórico do Brasil apresentando a modernidade e a grande revolução do pensamento, por meio da comparação com o perfil e o estilo do escritor Aluísio Azevedo, em O Cortiço, autor considerado o maior expoente brasileiro do Naturalismo.

Palavras-chave: Realismo. Naturalismo. Exploração do homem. Interferência do meio e problemas sócio-econômicos.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho apresenta a temática da sociedade e a forma como vê o homem como ser racional, animal pensante e lógico, ao mesmo tempo condicionado ao trabalho com a intenção de gerar lucros, como apresenta a figura de João Romão em O Cortiço, mostrando a trajetória que os personagens percorrem na obra, com efeitos, o produto daquele meio será exatamente igual a ele.

O REALISMO E O NATURALISMO NO BRASIL
Iniciados oficialmente em 1881 com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que consta o marco do surgimento do Realismo, e O Mulato, de Aluísio Azevedo, que consta o marco do surgimento do naturalismo, e enfraquecidos por volta de 1890, quando floresce o Parnasianismo, O advento do Realismo e do Naturalismo em nosso país ocorre numa data que se tornou simbólica para a Literatura Brasileira, pois foi nítida a mudança dos estilos em que os autores apareciam com mais liberdade sempre procurando a verdade, e não mais ocupar as exigências sentimentais.
A partir daqui podemos perceber que enquanto alguns autores selariam nossa independência literária, Aluísio Azevedo tornaria-se o líder da presença do estilo naturalista entre nós, pois entendia o cientificismo que é a ciência como único conhecimento, substituindo assim a visão subjetiva reinante nos romances românticos para uma visão totalmente objetiva onde a preocupação de relatar questões polêmicas. E é isso que o autor mostra ao explorar o preconceito, o adultério, a escravidão, as agruras do cotidiano como pobreza, prostituição e principalmente a exploração do homem deixando bastante claro que o mundo pertence aos mais espertos na figura de João Romão.

O PERÍODO LITERÁRIO
No Brasil, o período realista-naturalista ocorreu entre 1881 a 1902, e esse período foi marcado pelas teorias científicas que aparecem na obra literária O CORTIÇO, que são o determinismo de Taine, o positivismo de Comte e o evolucionismo de Darwin.
O determinismo segundo Taine, tudo, inclusive a arte, é produto do meio. Para ele o agir humano é determinado por variáveis biológicas, ou seja, todas as suas vontades e ações não são livres, no sentido de uma determinação racional e espontânea do sujeito, e sim resultado de mecanismos biológicos. A narrativa mostra que a teoria de Taine é predominante porque mostra que, a maior parte das pessoas está acostumada e acomodada em sua situação e acreditam que aquela vida um tanto “lamentável” é o destino de cada um deles. Assim de acordo com a teoria, quem nasceu pobre vai morrer pobre, empregado jamais será patrão, filha de prostituta será prostituta. Teoria um tanto quanto radical que encontramos presente em praticamente todos os momentos da obra O CORTIÇO.
No positivismo, Comte prega a transformação da sociedade através de normas necessárias para reforma-lá, conduzindo-a a uma etapa positiva. É preciso fazer uma observação, experiência e comparação para amenizar os problemas da sociedade.Sendo assim, a educação e a estrutura familiar seriam fundamentais para o êxito dessa teoria. Na obra O cortiço notamos características positivistas, como por exemplo, a preocupação de jerônimo em manter sua filha em um colégio, no intuito que ela tivesse melhores chances de vida.
O Evolucionismo destaca, entre outras coisas, a permanente concorrência entre os indivíduos com base na transformação social. Como exemplo disso podemos citar a concorrência desenfreada entre João Romão e Miranda, a inveja que um sentia do outro: “ tornou-se uma luta renhida e suada entre o português negociante de fazenda por atacado e o português de secos e molhados” ( O Cortiço, p. 22) .
A FIGURA DO ANTAGONISTA
De acordo com a definição de Coutinho ( 1987, p.752), entendemos que antagonista: é o que responde ao protagonista, isto é, desafia-o, opõe-se a ele e a seu destino.É o vilão da história, podendo ser pessoa ou força interna ou externa, cita-se as potências da natureza (tempestades, mar etc.), os fatores ambientais ( influências de ambientes sociais degradantes ou vice e versa, educação, etc). Quanto as forças internas, consideram-se virtudes ou defeitos.
Em O Cortiço, expressão máxima do Naturalismo brasileiro, apresenta como um dos personagens principais João Romão, um português que pode ser encarado como metáfora do capitalismo selvagem, pois tem como principal objetivo na vida enriquecer a qualquer custo. Ambicioso ao extremo, não mede esforços sacrificando até a si mesmo. Veste-se mal, dorme no mesmo balcão em que trabalha. Das verduras de sua horta, come os piores, o resto vende: “ O português nunca ia a passeio, nem ia a missa aos domingos; tudo o que rendia a sua venda e mais quitanda seguia direitinha para a caixa econômica e daí para o banco”. ( O cortiço. P.8)
Mas sua ascensão não vai se basear apenas na auto-flagelação. Explora descaradamente os moradores do cortiço onde mora os seus próprios vizinhos. O vinho que João Romão vende aos seus clientes é diluído em água, essa passagem mostra que o brasileiro está destinado a ser explorado pelo estrangeiro, mas o mais sintomático do seu caráter está na sua relação com Bertoleza. Essa era uma escrava que ganhava a vida vendendo peixe frio diante da venda de João Romão, eles tornaram-se amantes, pois ela se viu só e ele, ao apoia-la, aproveita as economias dela e, mentindo, confessa que havia comprado a sua carta de alforria.
No entanto, ele investe em seus próprios negócios, construindo três casinhas, imediatamente alugadas: nesse dia ele saiu muito a rua, e uma semana depois apareceu com a folha de papel toda escrita, que leu em voz alta a companheira. Era a carta de alforria da crioula. Contra todo o costume abriu-se nesse dia uma garrafa de vinho do porto e os dois beberam-na em honra ao acontecimento. (O Cortiço, p.8). Com o passar do tempo, de três casinhas chegam a ser 99, percebe-se que o progresso é resultado não só do tempo, mas também do dinheiro que vai sendo investido, numa postura claramente capitalista e do furto que João Romão e sua amante vão realizando do material da construção dos vizinhos, tornando-se assim o cortiço São Romão.
Percebemos que na obra O Cortiço Aluísio Azevedo descreve a origem e o estágio da narrativa com minuciosidade do Naturalismo dentro de dois aspectos: o primeiro são as condições do meio, água a vontade, permitiram que a moradia coletiva se desenvolvesse. Vemos nesse tópico a influência das crianças que a biologia estava tendo na época. Quanto ao segundo aspecto, a maneira como são descritos os moradores em sua agitação, semelhantes a larvas minhocando, num monte de esterco, comparando os personagens a animais, num processo conhecido como zoomorfismo, personificando o cortiço, que vai nascer, tendo como pai João Romão. Os personagens vão ser tratados como conseqüência, não como causa, são efeito do cortiço que vai determinar seu comportamento.
O personagem de João Romão sintetiza a própria visão naturalista, pois fica claro que o autor faz à sociedade e os caráteres individuais através desse personagem, onde eles tendem a se simplificar, pois são vistos como joguetes biológicos e sociais que determinam suas ações e sentimentos. São tipos humanos que encaram os vícios, as patologias, as ambições, que mostram o homem descendo a condição animalesca em situação de mero produto das circunstâncias externas, como a hereditariedade e o meio ambiente: “ E João Romão , estalando de raiva viu que aquela nova república de miséria prometia ir adiante e ameaçava fazer-lhe a sua, perigosa concorrência. pôs logo em campo, disposto a luta e começou a perseguir o rival por todos os modos”. ( O Cortiço, p. 44).
O fundamento do Naturalismo propõe a substituição do “estudo do homem abstrato e metafísico pelo do homem natural, sujeito a leis do meio físico-químico e determinado pela influência do meio. A partir dessa colocação podemos considerar o Naturalismo, como um estilo que consiste no exagero, exacerbação da tendência racionalista, com a proposta básica de compromissos com a verdade objetiva das mazelas que denuncia.
Aluísio Azevedo elabora os personagens de acordo com a visão que tem de explicar o real de uma forma mais ampla de qualquer outro meio. Demonstra isso através de João Romão que já estando rico o bastante aparece com outros planos: quer subir o nível de seus moradores, é um reflexo de seu desejo ao mesmo tempo em que sonha com aceitação social. Para tanto, além de ativar uma vida social, sonha em se casar com a filha de seu vizinho, Zulmira, daí vemos um jogo de interesses político-sociais e econômicos.
Ah! Que revolução não se feriu no espírito do vendeiro! Passou dias a estudar aquela visita, ensaiou o que tinha de dizer, conversando sozinhoo defronte do espelho; afinal no dia marcado, banhou-se em várias águas, vestiu-se de roupa nova e apresentou-se cheio de timidez no espelhado e pretensioso salão. (O Cortiço, p.46).
Ainda percebemos que o personagem naturalista é desprovido de livre arbítrio e entendido como fato natural. Não age motivado pela vontade, mas é determinado, causado por forças internas ou externas (ambiente social) que o submetem, acompanhado por instinto e baseados em interesses financeiros, no desejo da ascenção social desvelando qualquer condição humana, onde cada fato é a perpetuação de um passo anterior na dança social, onde o ontem sobrevive ao hoje porque é uma conseqüência.
Isso fica claro na hora em que João Romão ao se deparar com o velho Botelho, ex-empregado, morando na casa de Miranda, tentando salvar suas economias acaba atacando seu inquilino para furta-lo: João Romão meteu-se na sua toca para esconder o furto. Ao primeiro exame, reconheceu-se logo que era dinheiro em papel, o que havia nas grandes garrafas. Enterrou a trouxa na prateleira de um armário velho e cheio de frascos e voltou lá para acompanhar o serviço dos bombeiros. (O Cortiço, p.57)João Romão não pregava os olhos ao pensar no que fazer para dar um fim na crioula Bertoleza, e sendo aquele desespero no cortiço, Botelho foi falar a João logo cedo. A crioula ao ouvi-los reclamou seus direitos, João se irritara, tivera uma idéia de manda-la embora, vemos aqui claramente a exploração e a ingratidão do homem.
Na obra O Cortiço percebemos o caráter de cada personagem, suas ações, conseqüência de seus instintos. Notamos também esse aspecto ao analisarmos as personagens como, por exemplo, Rita Baiana acabou com o casamento de Piedade e Jerônimo, nessa parte percebemos o antagonismo presente como também em Miranda que tem uma realidade com João Romão. O velho Botelho apesar de ser idoso e parecer sensível , também notamos o antagonismo nesse personagem quando deixa claro que pedia dinheiro aos vizinhos, se fingindo de pobre e ao final descobre-se que ele tinha muito dinheiro guardado e mentia.
Nesse personagem encontramos a origem dos problemas que enfrentamos hoje, como hipocrisia e impunidade ao ser agraciado com o título de membro honorário dos abolicionistas quando na verdade enganou a sua amante Bertoleza. E o ponto chave do verdadeiro caráter do antagonista, a figura do anti-herói como um animal condicionado ao trabalho e incapaz de assimilar inteligência capitalista para a geração de lucros. É esse aspecto que a Literatura Naturalista procura demonstrar, que o ser humano não é livre , ele é condicionado e determinado pelo meio em que vive.
Podemos perceber que o Naturalismo enfatizava bastante o aspecto materialista da existência humana passando a ser uma análise mais profunda do realismo, onde essa nova escola baseava-se bastante na observação da realidade e o romance naturalista acentua esse aspecto ao mostrar o distanciamento do escritor em relação à sociedade romântica, e pós romântica colocando em vista os conceitos do Realismo e do Naturalismo. Assim, fica claro a observação empírica e não a idealização da realidade que caracterizou o Romantismo. Realismo e Naturalismo não são sinônimos, entretanto muitos teóricos afirmam que são duas faces da moeda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na obra “O Cortiço”, percebemos as idéias modernas da Europa que enfatizam os problemas econômicos, políticos, mostrando os seres, sendo comparados a animais, sob a influência do meio. Através desta literatura, vemos o reflexo do meio o qual ela está inserida, surgindo o realismo-naturalismo, em que personagens e enredos aceitam o destino das leis naturais. Nisso, a literatura realista é, uma literatura triste, já que mostra os defeitos de uma sociedade juntamente com a estrutura moral das personagens. Como afirma Bosi “ O realismo se manifesta em prosa ao propor um olhar mais objetivo da realidade, por parte do escritor que se tingirá de naturalismo sempre que fizer personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das leis naturais” (2006, p.168).

BIBLIOGRAFIA

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 43 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. 6ª ed. São Paulo: Global, 2002.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira.através dos textos. 18 ed. São Paulo, Cultrix, 1994.
TUFANO, Douglas. Estudos de língua e Literatura. 4ªed. São Paulo: Moderna,

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