Páginas

domingo, 21 de março de 2010

A PRESENÇA DO BRASIL COLÔNIA E AS CRENDICES POPULARES NA OBRA MENINO DE ENGENHO, DE JOSÉ LINS DO REGO


· Natália Rodrigues Sousa


Aluna do 7º período do curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA


CONSIDERAÇÕES INICIAIS


O presente trabalho tem por objetivo analisar a obra Menino de Engenho, de José Lins do Rego, percebendo a temática abordada na obra, o universo dos personagens, bem como as características do segundo tempo modernista, o romance de 30 que no caso o livro em estudo está inserido. Vamos conhecer também um pouco sobre o autor da obra, José Lins do Rego e finalmente vamos abordar sobre a presença do Brasil Colônia e as crendices populares na obra em foco. O artigo é de cunho bibliográfico, no qual são trabalhados teóricos como Petta e Ojeda (1999), Costa e Mello (2008), Júnior (2004) e Barthes (2000).


CONHECENDO O AUTOR JOSÉ LINS DO REGO


José Lins do Rego Cavalcante nasceu no Engenho Corredor, no Município de Pilar, Estado da Paraíba no dia 3 de julho de 1901. Típico filho de uma família patriarcal nordestina, José Lins do Rego colocou em sua produção literária o Nordeste dos engenhos, onde desde cedo habitou. Ele foi testemunha ocular da decadência de um tempo, o do engenho de açúcar, que cedeu lugar às usinas, num processo de transformação social e econômica. Vale afirmar que José Lins do Rego formou-se em Direito em Recife e, em 1919, passou a colaborar na imprensa. Em 1955 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Sendo que ele faleceu no dia 12 de setembro de 1957, deixando grandes obras e a sua contribuição para com a literatura. Podemos citar como suas obras: Romances do ciclo da cana-de-açúcar como Menino de Engenho, Doidinho, O moleque Ricardo, Usina, Fogo morto; Romances do ciclo do cangaço como Pedra bonita e Cangaceiros; Romances independentes como Pureza, Água-mãe, Riacho doce e Eurídice.
O CONTEXTO HISTÓRICO E AS CARACTERÍSTICAS DO SEGUNDO TEMPO MODERNISTA

José Lins do Rego fez parte do segundo tempo modernista, o romance de 30. Podemos afirmar que a literatura que se produziu nos anos 30 e 40 basicamente gravitou na difícil realidade gerada pela ditadura que se instalou no nosso Brasil a partir de outubro de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.
Vale dizer que cada autor do segundo tempo modernista diante dessa realidade passou a refletir sobre essa época de agonia a sua maneira, dessa forma, produziu-se uma literatura regionalista que procurou realçar a região focalizando o problema social. Nesse sentido, a poesia enveredou para a crítica social e para o entendimento das relações conturbadas do homem com o universo.
Podemos apontar como características do romance regionalista a linguagem crítica e clara, objetiva, é uma literatura voltada para a reflexão sobre os problemas sociais, que trata também da situação dos proletários rurais, isto é, os dominados por um rude esquema de trabalho sob o mundo dos grandes proprietários de terra.

CONHECENDO OS PERSONAGENS DA OBRA MENINO DE ENGENHO


Dentre os vários personagens que perpassam a obra Menino de Engenho podemos enumerar Carlinhos, o coronel Zé Paulino, Maria, tia de Carlinhos, a velha Totonha, Antonio Silvino, Juca, tio de Carlinhos, a Sinhazinha e as negras.
Carlinhos é o narrador do romance. Ele perde a sua mãe aos quatro anos de idade e vai morar no engenho com o seu avô Zé Paulino. Carlinhos é um menino melancólico, solitário e bastante introspectivo. Aos doze anos ele manteve a sua primeira relação sexual e contraiu gonorréia. No trecho a seguir podemos ver como Carlinhos era e como se sentia:



Era um menino triste. Gostava de saltar com os meus primos e fazer tudo o que eles faziam.Metia-me com os moleques por toda a parte. Mas, no fundo, era um menino triste. Às vezes dava para pensar comigo mesmo, e solitário andava por debaixo das árvores da horta, ouvindo sozinho a cantoria dos pássaros. (Menino de Engenho, 2003, p.58).



O coronel Zé Paulino é o todo poderoso senhor de engenho, é o patriarca absoluto da região no qual todos têm um maior respeito e obediência, como pode ser visto no trecho a seguir:


Meu avó me levava sempre em suas visitas de corredor às terras de seu engenho. Lá ver de perto os seus moradores, dar uma visita de senhor nos seus campos. O velho José Paulino gostava de percorrer a sua propriedade, de andá-la canto por canto, entrar pelas suas matas, olhar as suas nascentes, saber das precisões de seu povo, dar os seus gritos de chefe, ouvir queixas e implantar a ordem. Andávamos muito nessas suas visitas de patriarca. (Menino de engenho, 2003, p.33).




A Maria é a tia de Carlinhos, é irmã de sua mãe Clarisse. Carlinhos tinha-a como uma segunda mãe, todos gostavam muito dela devido a sua bondade e simpatia. Vejamos o trecho que comprova como Maria era:



A moça que se parecia com a minha mãe, e que era a sua irmã mais nova, me levou para mudar de roupa. – Agora vou ser a sua mãe. Você vai gostar de mim. Vamos, não chore. Seja homem. E me abraçou, e me beijou, com uma ternura que fez lembrar os beijos e os abraços de minha mãe. (Menino de Engenho, 2003, p.10).



Temos também a velha Totonha que é uma pessoa admirável e fabulosa, que encanta a todos com as suas histórias. Ela representa de forma muito bem o folclore ambulante dos contadores de histórias. Vejamos o seguinte trecho que fala da velha Totonha:



A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada. Ela vivia de contar histórias de Trancoso. Pequenina e toda engelhada, tão leve que uma ventania poderia carregá-la, andava léguas e léguas a pé, de engenho a engenho, como uma edição viva das Mil e uma noites. Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens. (Menino de Engenho, 2003, p. 44 e 45).




Ao lado desses personagens irreverentes que compõem a obra em estudo temos o Antonio Silvino que representa muito bem o cangaceiro sempre temido e respeitado pelo povo devido defender os mais fracos e lutar por justiça. Notemos a seguir como o cangaceiro Antonio transmitia medo e pavor e ao mesmo tempo respeito pelo povo:


Uma tarde, chegou um portador num cavalo cansado de tanto correr, com um bilhete para meu avô. Era um recado do coronel Anísio, de Cana Brava, prevenindo que Antonio Silvino naquela noite estaria entre nós. A casa toda ficou debaixo de pavor. Para os meninos, a presença de Antonio Silvino era como se fosse a de um rei das nossas histórias, que nos marcasse uma visita. (Menino de Engenho, 2003, p.18).




Vale falar também da personagem Sinhazinha que é cunhada do coronel José Paulino. Ela comanda o governo da casa-grande onde manda e desmanda e é detestada por todos em virtude de sua arrogância e sua crueldade, como pode ser verificado no seguinte trecho:



A minha tia Sinhazinha era uma velha de uns setenta anos. Irmã de minha avó, ela morava há longo tempo com seu cunhado. Era ela que tomava conta da casa do meu avô. As pobres negras e os moleques sofriam dessa criatura uma servidão dura e cruel. Vivia a resmungar, a encontrar malfeitos, poeira nos móveis, furtos em coisas da despensa, para pretexto de suas pancadas nas crias da casa. (Menino de Engenho, 2003, p. 15).




Para finalizar temos as negras que representam o tempo de escravidão, são elas: Generosa, dona da cozinha, a vovó Galdina, Maria Gorda e Romana. Essas mulheres trabalham de graça sem reclamar na casa do coronel José Paulino, como pode ser visto no trecho a seguir:



As negras do meu avô, mesmo depois da abolição, ficaram todas no engenho, não deixaram a rua, como elas chamavam a senzala. E ali foram morrendo as velhas. Conheci umas quatro: Maria Gorda, Generosa, Galdina e Romana. O meu avô continuava a dar-lhes de comer e vestir. E elas a trabalharem de graça, com a mesma alegria da escravidão. (Menino de Engenho, 2003, p.49).



Todos esses personagens são de fundamental importância na obra, cada um tem as suas próprias características e representam muito bem o seu papel, levando o leitor atento a compreender a própria história em si e a ação dos personagens.

ANÁLISE DOS ELEMENTOS DA NARRATIVA NA OBRA MENINO DE ENGENHO


O livro Menino de Engenho é um enredo que apresenta uma linguagem simples, de fácil compreensão. O romance é narrado em primeira pessoa pelo personagem Carlos Melo que relata a sua história de vida no engenho de seu avô. Vejamos o trecho que comprova que a obra é contada pelo narrador personagem:


O que eu sentia era uma vontade desesperada de ir para junto de meus pais, de abraçar e beijar minha mãe. Ainda me lembro de meu pai. Era um homem alto e bonito, com uns olhos grandes e um bigode preto. Sempre que estava comigo, era a me beijar, a me contar histórias, a me fazer gostos. Tudo dele era para mim. (Menino de Engenho, 2003, p. 6).



O ambiente em que se passa a narrativa é bem descrito e tem como cenário a região limítrofe entre Pernambuco e Paraíba, mais precisamente no engenho Santa Rosa, logo podemos afirmar que o espaço é o campo com a sua esplêndida natureza. Vejamos o trecho a seguir que mostra onde acontece a narrativa:



Três dias depois da tragédia levaram-me para o engenho do meu avô materno. Eu ia ficar ali morando com ele. O engenho fica ali perto. Eu ia reparando em tudo, achando tudo bonito. A estação ficava perto de um açude coberto de uma camada espessa de verdura. Os matos estavam todos verdes, e o caminho cheio de lama e de poças de água. Pela estrada estreita por onde nós íamos, de vez em quando atravessava boi. (Menino de Engenho, 2003, p. 9).



Quanto ao tempo da narrativa, podemos dizer que o tempo é cronológico, pois o narrador personagem Carlinhos tem quatro anos quando a narrativa começa e doze, quando termina o livro, como pode ser verificado a seguir:



Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu. Dormia no meu quarto, quando pela manhã me acordei com um enorme barulho na casa toda. A tia Sinhazinha falava dos meus atrasos. Os homens riam-se das intemperanças dos meus doze anos. (Menino de Engenho, 2003, p. 5 e 102).



Diante do que foi exposto podemos falar que tanto o espaço quanto o tempo influenciavam na vida do personagem Carlinhos que teve uma infância triste por perder a mãe ainda criança, ele vivia sempre melancólico, pensativo com a vida que levava no engenho, sendo que esse ambiente, ou seja, o engenho contribuiu muito para que ele tivesse um viver de diversão e também de solidão, deixando-se envolver pelo próprio meio e pelo convívio com as pessoas.

A PRESENÇA DO BRASIL COLÔNIA E AS CRENDICES POPULARES NA OBRA MENINO DE ENGENHO


O contexto histórico da obra Menino de Engenho é o Brasil colônia e o regime escravocrata. Podemos notar na obra em estudo as características marcantes do Brasil colônia como a situação sócio-econômica da cana-de-açúcar, a presença de engenhos, senzala, casa-grande, o poderio do coronel senhor de engenho que detinha o poder econômico e político da fazenda de engenho Santa Rosa, a escravidão é outro fator abordado. O livro também enfoca a questão do cangaceirismo visualizado na pessoa de Antonio Silvino, vale ressaltar também as crendices populares presentes na magnífica obra em foco.
De acordo com Costa e mello (2008, p.233), a produção da cana-de-açúcar se iniciou no Brasil colonial nos primeiros anos da colonização portuguesa. Realizava-se em grandes propriedades denominadas engenhos, no qual se explorava ao máximo a mão-de-obra, a fim de aumentar o lucro. Na obra em estudo podemos ver essa característica marcante desse Brasil colônia, pois retrata a questão da produção de açúcar no engenho Santa Rosa que representa grande lucro para o senhor de engenho que explorava ao máximo os trabalhadores nos canaviais, como pode ser visto no seguinte trecho do livro:



É aqui onde se cozinha o açúcar. Vamos agora para a casa de purgar. Dois homens levavam caçambas com mel batido para as fôrmas estendidas em andaimes com furos. Estavam na limpa do partido da várzea. O eito bem pertinho do engenho. Da calçada da casa- grande viam-se no meio do canavial aquelas cabeças de chapéu de palha velho subindo e descendo, no ritmo do manejo da enxada. (Menino de Engenho, 2003, p. 13 e 74)



Esse trecho mostra com clareza o cultivo da cana-de-açúcar, elemento esse que foi de fundamental importância durante o Brasil colônia, pois representou grande lucro para a coroa portuguesa, enquanto que o nosso Brasil perdia com isso, uma vez que estava sendo explorada a nossa riqueza, visto que ele, isto é, o Brasil era um grande produtor da cana-de-açúcar.
Segundo Petta e Ojeda (1999, p.91), o engenho era a unidade de produção do açúcar e compreendia a lavoura, o engenho propriamente dito, a casa-grande, a senzala e a capela. Em Menino de Engenho, o engenho é bem descrito e se chama engenho Santa Rosa, é dirigido pelo senhor todo poderoso José Paulino que simboliza de uma certa forma os senhores de engenhos do Brasil colonial. Vejamos o trecho que mostra a descrição do engenho Santa Rosa:



As terras do Santa Rosa andavam léguas e léguas de norte a sul. O velho José Paulino tinha esse gosto: o de perder a vista nos seus domínios. Tudo o que tinha era para comprar terras e mais terras. Herdara o Santa Rosa pequeno, e fizera dele um reino. (Menino de Engenho, 2003, p. 66).



Conforme Costa e Mello (2008, p. 233), na casa-grande viviam o senhor de engenho, seus parentes e um bom número de agregados, todos a ele subordinados. No livro em análise há a presença da casa-grande onde mora o senhor de engenho, o José Paulino juntamente com a sua família e os empregados. Vejamos o trecho que demonstra a existência da casa-grande que foi tão marcante no período colonial:



Quando cheguei, com o meu tio Juca, no pátio da casa-grande, o alpendre estava cheio de gente. Sentado em uma cadeira estava, perto de um banco, estava um velho a quem me levaram para receber a bênção. Era o meu avô. (Menino de Engenho, 2003, p.10).



Vale falar ainda da senzala que era o lugar onde ficavam os escravos no período colonial. José Lins retratou bem a senzala na obra Menino de Engenho, como pode ser percebido a seguir:



Restava ainda a senzala dos tempos do cativeiro. Uns vinte quartos com o mesmo alpendre na frente. As negras do meu avô, mesmo depois da abolição, ficaram todas no engenho, não deixaram a rua, como elas chamavam a senzala. (Menino de Engenho, 2003, p. 49).



Para Petta e Ojeda (1999, p. 93), o senhor de engenho era o dono de todas as pessoas que viviam sob seu teto e em suas terras, dispunha da vida de todos da mesma forma como fazia com seus bens materiais. Na obra em foco notamos com clareza essas características presentes no senhor de engenho José Paulino que era dono do engenho Santa Rosa e de várias propriedades de terras, ele detinha o poder econômico e político da cidade, resolvendo e tomando decisões sobre os assuntos relacionados à fazenda e até sobre as pessoas. Isto pode ser verificado no trecho a seguir:



Meu avô me levava sempre em suas visitas de corredor às terras de seu engenho. Lá ver de perto os seus moradores, dar uma visita de senhor nos seus campos. O velho José Paulino gostava de percorrer a sua propriedade, de andá-la canto por canto, entrar pelas suas matas, dar os gritos de chefe, ouvir queixas e implantar a ordem. Andávamos muito nessas suas visitas de patriarca. (Menino de Engenho, 2003, p. 33).



Podemos ver que o senhor de engenho José Paulino implantava a ordem, se portava como um chefe que manda e é obedecido. No trecho a seguir vamos perceber a forte autoridade dele ao mandar colocar no tronco o Chico Pereira, devido o mesmo ter sido acusado de engravidar a Maria Pia:



O meu avô mandou botar no tronco. E nós fomos vê-lo, estendido no chão, com o pé metido no furo do suplício. Raramente eu tinha visto gente no tronco. Somente um negro ladrão de cavalos ficara ali até que chegassem os soldados da vila, que o levaram. Agora, porém, Chico Pereira estava lá, com os pés no buraco redondo. No outro dia voltei para junto do prisioneiro. As pernas presas já estavam inchadas, apertadas demais no buraco do tronco. (Menino de Engenho, 2003, p. 39).



José Lins ao apresentar o poderio e o abuso de autoridade do senhor de engenho José Paulino fez uma crítica aos senhores de engenhos do Brasil colônia que se comportavam da mesma forma. Além disso, criticou a passividade das pessoas que aceitavam sem reclamar tal sistema imposto ao mostrar o personagem Carlinhos descrevendo seu avô como um senhor de engenho bom.
O jesuíta Antonil apud Costa e Mello (2008, p.233), afirma que os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. Na obra em análise é enfatizado a questão da escravidão representada nos trabalhadores do engenho Santa Rosa que trabalhavam muito, sem descanso e não ganhavam nada. Eram eles que tomavam conta da plantação da cana-de-açúcar e de outros produtos produzidos no engenho, e, no entanto, não eram valorizados, pelo contrário eram explorados pelo senhor de engenho que se aproveitava da mão-de-obra deles. Vejamos o trecho que mostra essa situação:



Estavam na limpa do partido da várzea. O eito bem pertinho do engenho. Da calçada da casa-grande viam-se no meio do canavial aquelas cabeças de chapéu de palha velho subindo e descendo, num ritmo do manejo da enxada: uns oitenta homens comandados pelo feitor José Felismino, de cacete na mão, reparando o serviço deles. Pegava com o sol das seis, até a boca da noite. Paravam às dez horas, para o almoço de farinha seca com bacalhau. (Menino de Engenho, 2003, p. 74).



Schumaher e Brazil apud Costa e Mello (2008, p. 234), falam que em todas as etapas da produção e manufatura dos canavieiros houve a labuta das mulheres escravizadas, nos engenhos, cozinhavam-nas em enormes tachos de cobre, no interior das casas-grandes, preparavam a comida, lavavam, e arrumavam, efetuando todos os afazeres cotidianos para as famílias escravocratas. Também podemos perceber na obra Menino de Engenho a escravidão presente nas figuras das mulheres que trabalhavam muito, e de graça no engenho, e aceitavam tudo sem reclamar, se continham com tal situação que eram submetidas, como pode ser visto a seguir:



E elas a trabalharem de graça, com a mesma alegria da escravidão. As duas filhas e netas iam-lhes sucedendo na servidão, com o mesmo amor à casa-grande e a mesma passividade de bons animais domésticos. (Menino de Engenho, 2003, p.49).



Nesse trecho, podemos notar como as mulheres eram passivas e submissas ao sistema de escravidão, não lutavam para saírem da situação, mas aceitavam caladas, pois se continham com a vida que levavam, uma vez que não podiam reclamar, porém dizer sim ao que é imposto.
Vale falar que na obra Menino de Engenho José Lins faz uma crítica à sociedade escravocrata que discriminava os negros e os menos favorecidos ao nos apresentar o branco como sendo superior ao negro quando nos mostra o personagem Carlinhos afirmando que não tinha pena da condição em que viviam os negros e que eles nasceram assim era porque Deus quisera e por isso podiam mandar neles e em tudo. Vejamos isso no seguinte trecho da obra:



O costume de ver todo dia esta gente na sua degradação me habituava com a sua desgraça. Nunca, menino, tive pena deles. Achava muito natural que vivessem dormindo em chiqueiros, comendo um nada, trabalhando como burros de carga. A minha compreensão da vida fazia-me ver nisto uma obra de Deus. Eles nasceram assim porque Deus quisera, e porque Deus quisera nós éramos brancos e mandávamos neles. Mandávamos também nos bois, nos burros, nos matos. (Menino de Engenho, 2003, p. 76).



Podemos ver dessa maneira, o quanto o negro era discriminado e maltratado pelo branco que se achava o superior, o dono de tudo e de todos, essa realidade infelizmente ainda existe em nossa sociedade contemporânea e resta a nós a não aceitar essa situação, mas lutar pela igualdade entre branco e negro, pois o negro também é um ser humano igual ao branco e merece ser respeitado e ter os mesmos direitos que o próprio branco tem.


Na obra Menino de Engenho é abordado a questão do cangaço que no caso foi muito marcante durante a República Velha. De acordo com Dória apud Júnior (2004, p. 73), o cangaço se caracterizou por ser uma ação de bandos armados que saqueavam fazendas, vilarejos e cidades, que embora fossem considerados como criminosos pelo Estado, eram vistos como heróis populares por sua gente. Em Menino de Engenho o cangaço é visto dessa mesma forma pelas pessoas do engenho, pois elas tinham muito respeito pelos cangaceiros, viam-nos como um herói, todos temiam eles, como podemos notar no seguinte trecho:



A casa toda ficou debaixo do pavor. O nome do cangaceiro era bastante para mudar o tom de uma conversa. Falava-se dele baixinho, em cochicho, como se o vento pudesse levar as palavras. Para os meninos, a presença de Antonio Silvino era como se fosse a de um rei das histórias, que nos marcasse uma visita. Um dos nossos brinquedos mais preferidos era até o de fingirmos de bando de cangaceiros, com espadas de pau e cacetes no ombro, e o mais forte dos nossos fazendo de Antonio Silvino. (Menino de Engenho, 2003, p. 18).



Outro ponto enfocado na obra são as crendices populares, as pessoas do engenho Santa Rosa acreditavam que existia lobisomem e ficavam assustadas quando aparecia ele a noite pela redondeza do engenho. Vejamos o trecho que fala sobre isso:



Na mata do rolo estava aparecendo lobisomem. Na cozinha era no que se falava, num vulto daninho que pegava gente para beber sangue. O poldro coringa do meu avô amanheceu um dia com um talho minando sangue. O lobisomem andara de noite pelas estrebarias. Eu acreditava em tudo isto, e muitas vezes fui dormir com o susto destes bichos infernais. (Menino de Engenho, 2003, p. 42 e 43).



Além da crença em lobisomem, as pessoas do engenho Santa Rosa também acreditavam que os zumbis também existiam no engenho e que eles eram as almas dos animais e ficavam rondando por ali, encarnando-se em porcos e bois, que corriam na frente das pessoas e se procurava pegá-los, desapareciam por encanto.



CONSIDERAÇÕES FINAIS


Pelo que foi abordado ao longo do presente trabalho, podemos afirmar que a obra Menino de Engenho é uma obra muito rica que apresenta características marcantes do Brasil colônia e que retrata muito bem essas características através da fala de cada personagem, proporcionando-nos conhecimentos e criticidade sobre esse momento que o nosso Brasil passou, que foi o período colonial. A literatura é vida e propiciadora de conhecimentos e visão crítica, por isso ela mostra de forma extraordinária a História, como pudemos ver na obra em estudo. Assim fala Barthes (2000) sobre a literatura: “Todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto numa, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2000.

COSTA, Luis César Amad; MELLO, Leonel Itaussu A. História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2008.

JÚNIOR, Alfredo Boulos. Sociedade e Cidadania. São Paulo: FTD, 2004.

PETTA, Nicolina Luiza de; OJEDA, Eduardo Aparício Baez. História: Uma abordagem integrada.São Paulo: Moderna, 1999.

REGO, José Lins do. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

Quer fazer a bateria do seu notebook render mais? Clique aqui e descubra como.

Nenhum comentário:

Postar um comentário