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domingo, 21 de março de 2010

A FIGURA DE BERTOLEZA COMO HEROINA DO CORTIÇO, DE ALÚSIO AZEVEDO


NATÁLIA RODRIGUES SOUSA


Aluna do 6º período do curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA


CONSIDERAÇÕES INICIAIS


O presente trabalho tem por objetivo apresentar a personagem Bertoleza da obra O Cortiço como a heroina do cortiço, bem como mostrar o conceito de herói na literatura, enfocando no Romantismo e na tragédia e contrapondo com a visão de herói no Naturalismo. O artigo é de cunho bibliográfico, no qual é trabalhado com teóricos como Coutinho (1987), Coutinho e Eduardo de Faria (2002), Barros (1994) e Granja (2008).


A FIGURA DO HERÓI NA LITERATURA


O herói literário é caracterizado pela valentia, coragem física e moral. De acordo com Coutinho (1987, p. 752), o conceito de herói é: “O herói ou heroina é o personagem principal, é a figura central, em torno do qual giram os acontecimentos, e cujo destino atrai a simpatia e identificação do leitor”.
Na tragédia, podemos afirmar que o herói, sujeito ao império dos deuses, era constrangido pelas circunstâncias a cometer uma falha que o levava à desgraça. Temos como exemplo, Édipo Rei que sem saber se casa com sua mãe Jocasta e mata seu pai Laio, ao saber disso, Édipo cega-se e é expulso de Tebas, passando a ter uma vida de sofrimento. Mas através da cegueira, ele tem uma visão diferente de ver o mundo e as coisas, passando a discernir melhor. Com isso, o herói trágico salva o reino da maldição da peste, que seria uma punição pela presença do assassino de Laio entre os tebanos. Conforme Sérgio Granja (2008, p. 1): “A tragédia é a desgraça irreparável do herói vitimado pelo destino. Édipo é o herói trágico”. Dessa forma, o herói trágico é aquele que passa por sofrimentos, que enfrenta obstáculos para ajudar o seu povo.


No Romantismo, podemos dizer que o romântico é temperamental, exaltado, melancólico, que procura idealizar a realidade e não reproduzi-la. Nesse sentido, o herói romântico é aquele que é dotado de qualidades, que luta por seus objetivos, é belo, de classe social elevada, é jovem. Segundo Coutinho e Eduardo de Faria Coutinho (2002, p. 300), o herói romântico é representado como:


Antes disso, o herói romântico é um tipo ideal, não um tipo que é, porém que deve ser, em cujo esboço o cavalheirismo medieval entra com uma parte não muito pequena. Dentro dessa concepção, uma das qualidades fundamentais do herói romântico é a lealdade, sob cujo signo se desenvolvem todas as suas ações. Os que fogem a essa regra e não são nunca os protagonistas da história romântica simbolizam o mal, que deve ser invariavelmente castigado.



Nas obras de José de Alencar, como o Guarani, Ubirajara, Iracema, o índio é apresentado como o herói nacional e é retratado como símbolo de bravura, de pureza e de amor ao ambiente natural. Nesse caso, podemos dizer que em Alencar o índio passa a ter voz e vez.


O HERÓI NO NATURALISMO


Enquanto que no Romantismo o herói é aquele que é cheio de virtudes, qualidades, é perfeito, idealizador, no Naturalismo a figura do herói é diferente, pois o herói nesse movimento é trabalhado sob perspectiva de ser aquele marginalizado pela sociedade, com o objetivo de fazer crítica ao meio social preconceituoso e excludente, que explora os menos favorecidos.
De acordo com Barros (1994, p. 18), se o romance romântico idealiza as situações e os seres humanos, criando uma imagem deformada do mundo, cabe ao romance naturalista mostrar a realidade tal qual é, oferecer um retrato do mundo em que a imaginação do romancista pouco ou nada interfira. Seguindo essa visão podemos falar que o Naturalismo visa nos conscientizar sobre a realidade social e ao mesmo tempo faz uma crítica a essa realidade.
Ainda conforme Barros (1994, p. 19), o Naturalismo é:


O Naturalismo caracteriza-se por selecionar, entre os dados da realidade, os chocantes e contundentes: não basta desvendar os “podres” da burguesia, é preciso mostrar as condições sub-humanas em que vive o operário, reduzido ao estado de animal; não basta mostrar as falhas, é preciso colocar a nu as deformidades, os aleijões, os casos patológicos; não basta observar a realidade circundante, é preciso abismar-se no submundo, vivenciá-lo, experimentá-lo, registrar todas as reações observadas; adotar, em sua, um comportamento científico.



Podemos ver nesse caso, que a temática do Naturalismo são as condições miseráveis em que vivem os humilhados e ofendidos, vítimas de um sistema político-econômico-social, o burguês, que constituiria, no final das contas o grande vilão. Nesse sentido, o herói naturalista é aquele que é maltratado e explorado pela sociedade, representando uma crítica ao sistema social opressor.


A HEROINA EM O CORTIÇO


O livro O Cortiço, de Aluísio Azevedo é uma obra de cunho naturalista, que faz uma crítica à sociedade do século XIX e que aborda vários temas de caráter social, dentre eles podemos citar a exploração do trabalho representada na figura de Bertoleza.
Bertoleza é uma crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de Fora, que após a morte do seu marido foi morar com João Romão, este para enganá-la, forjou uma carta de alforria e com as economias da escrava, começou o seu projeto de enriquecer. Podemos perceber no trecho a seguir da obra o quanto Bertoleza é um exemplo de mulher trabalhadeira e que lutava pela sua libertação:


Bertoleza também trabalhava forte; a sua quitanda era a mais bem-afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noite, peixe frito e iscas de fígado; pagava de jornal a seu dono vinte mil-réis por mês, e apesar disso, tinha de parte quase que o necessário para a alforria. (O Cortiço, 2004, p. 19).


Podemos verificar no seguinte trecho da obra, a presença do trabalho escravo representado na pessoa de Bertoleza, a qual era tratada como uma escrava, não tinha descanso, trabalhava muito, e não tinha direitos, enquanto que João Romão, às custas dela subia de posição social e ela tornava-se cada vez mais um ser desprezível, abandonada, sem voz e nem vez:


E a Bertoleza, sempre suja e tisnada, sempre sem domingo nem dia santo, lá estava ao fogão, mexendo as panelas e enchendo os pratos. Bertoleza é que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja,sempre atrapalhada de serviço, essa, em nada, em nada absolutamente, participava das novas regalias do amigo; pelo contrário, à medida que ele galgava posição social, a desgraçada fazia-se mais e mais escrava e rasteira. João Romão subia e ela ficava cá em baixo, abandonada como uma cavalgadura. (O Cortiço, 2004, p. 55 e 121).



Bertoleza é a típica heroina romântica que faz tudo por amor a seu amado, entretanto o seu amor e o seu trabalho não são reconhecidos pelo amado João Romão, pelo contrário, este a trata muito mal, como se fosse algo sem importância, como pode ser notado no seguinte trecho:”Ah! Ele esse dia estava intolerante com tudo e com todos; por mais de uma vez mandara Bertoleza à coisa mais imunda. Nesse dia serviu mal e porcamente os fregueses; tratou aos repelões a Bertoleza”. (O Cortiço, 2004, p. 94 e 100).
No trecho a seguir, podemos notar como Bertoleza se sentia perante a sua condição de vida, tinha vergonha de ser quem era, sofria em silêncio as suas amarguras, no entanto era submissa ao João Romão, como pode ser visto no seguinte trecho:



E Bertoleza bem que compreendia isso e bem que estranhava a transformação do amigo. Na sua obscura condição de animal de trabalho, já não era amor o que a mísera desejava, era somente confiança no amparo de sua velhice quando de todo lhe faltasse as forças para ganhar a vida. E contentava-se em suspirar no meio de grandes silêncios durante o serviço de todo o dia, covarde e resignada, como seus pais que a deixaram nascer e crescer no cativeiro. Escondia-se de todos, envergonhada de si própria, triste de sentir-se a mancha negra. (O Cortiço, 2004, p. 154).




Na obra O Cortiço, Aluísio Azevedo descreve a heroina naturalista como a heroina sofredora, feia, pobre, velha, imunda pelo trabalho escravo a qual era submetida. Vejamos isso no trecho a seguir:



O destino de Bertoleza fazia-se cada vez mais estrito e mais sombrio; pouco a pouco deixara totalmente de ser amante do vendeiro para ficar sendo só escrava. Sempre sem domingo nem dia santo, sem tempo para cuidar de si, feia, gasta, imunda, repugnante, com o coração eternamente emprenhado de desgostos que nunca vinham`a luz. Já não vivia para ninguém, apática, estagnada como um charco podre que causa nojo. (O Cortiço, 2004, p. 155).



Aluísio Azevedo apresenta a heroina Bertoleza como um estorvo, um obstáculo na vida de João Romão que fazia de tudo para acabar com ela para alcançar os seus objetivos. Foi através de Bertoleza que o cortiço se torna um grande cortiço e o próprio João Romão se enriquece com o trabalho árduo dela. Vejamos o seguinte trecho que mostra o que João Romão pensava a respeito de Bertoleza:


Bertoleza devia ser esmagada, devia ser suprimida, porque era tudo que havia de mal na vida dele! Seria um crime conservá-la a seu lado! Ela era o torpe balcão da primitiva bodega; era o frege imundo e a lista cantada das comezainas à portuguesa; era o sono roncado num colchão fétido, cheio de bichos; ela a sua cúmplice e era todo o seu mal- devia, pois, extinguir-se!. (O Cortiço, 2004, p. 168).



Notamos na obra em estudo a figura da heroina Bertoleza como alguém que não aceita mais a situação a qual estava inserida e se rebela contra João Romão quando este tenta entregá-la para o seu antigo dono. Aqui Aluísio apresenta a heroina como símbolo de valentia e indignação, como pode ser visto no trecho a seguir:



- Você está muito enganado, seu João, se cuida que se casa e me atira à toa!- exclamou ela. – sou negra, sim, mas tenho sentimentos! Quem me comeu a carne tem de roer-me os ossos! Então há de uma criatura ver entrar ano e sair ano, a puxar pelo corpo todo santo dia que Deus manda ao mundo, desde pela manhãzinha até pelas tantas da noite, para ao depois ser jogada no meio da rua, como galinha podre?! Não! Não há de ser assim, seu João! (O Cortiço, 2004, p. 173).



No trecho a seguir, Azevedo nos mostra Bertoleza sendo traída pelo seu amado João Romão, quando este a entrega aos soldados para levá-la para o cativeiro, no entanto, ela não aceita e acaba se matando com uma faca que estava escamando peixe. Bertoleza ao optar por se matar, torna-se senhora do seu destino e demonstra inconformismo com o sistema escravocrata que tira a liberdade do ser humano. Vejamos o trecho que comprova Bertoleza sendo traída por João Romão:



- É esta! – disse aos soldados que, com um gesto, intimidaram a desgraçada a segui-los. – Prendam-na! É escrava minha. A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar. Bertoleza, então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto, e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. (O Cortiço, 2004, p. 183).



Aluísio Azevedo ao nos apresentar João Romão recebendo o diploma de sócio benemérito como abolicionista faz uma crítica às pessoas que lucram e ganham títulos às custas da exploração dos menos favorecidos. Quantos em nossa sociedade são heróis como Bertoleza, entretanto não são reconhecidos e nem bem tratados, pelo contrário, são considerados heróis aqueles que escravizam tratam mal as pessoas. Vejamos o trecho que comprova João Romão sendo tratado como abolicionista:



João Romão fugira até o canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos. Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionista que vinha, de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito. Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas. (O Cortiço, 2004, p. 183).



CONSIDERAÇÕES FINAIS


Diante do que foi exposto, podemos afirmar que Bertoleza é uma heroina típica naturalista, pois apresenta características de uma heroina naturalista, tanto pelo seu aspecto físico quanto pela crítica à sociedade simbolizada na sua pessoa. Vale ressaltar que Bertoleza é a heroina do cortiço, porque foi por meio do trabalho escravo dela que o mesmo consegue se transformar numa grande avenida São Romão. Bertoleza é o exemplo de mulher de fibra, de coragem, o seu sofrimento como mulher escrava e maltratada representa as mulheres que são escravizadas pelo trabalho e que não têm voz e nem vez para reclamar da situação que estão inseridas.
A literatura é vida e nos faz ter visão crítica da realidade. A personagem Bertoleza da obra O Cortiço, proporciona a nós senso crítico da realidade em que se encontra a mulher no contexto social.






REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALUÍSIO, Azevedo. O Cortiço. 4ª ed. São Paulo: Moderna, 2004.

BARROS, Elenir Aguilera de. Prosa de ficção. In A literatura Portuguesa em perspectiva. V. 3 Dir. Massaud Moisés. São Paulo: Atlas, 1994.

COUTINHO, Afrânio. Crítica e Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1987.

COUTINHO, Afrânio; COUTINHO, Eduardo de Faria. A Literatura no Brasil. 6ª ed. São Paulo: Global, 2002.

SÉRGIO, Granja. O gênero dramático em Édipo Rei. São Paulo, 2008.




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3 comentários:

  1. Quem era Bertoleza e que importância ela tem para a escalada social de João Romão

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  2. João Romão subiu socialmente por meio da exploração de Bertoleza.

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  3. João Romão subiu socialmente por meio da exploração de Bertoleza.

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