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quarta-feira, 2 de junho de 2010

A INTERTEXTUALIDADE PRESENTE NA OBRA "O MUNDO DE FLORA DE ÂNGELA GUTIÉRREZ"



Rebeca de Oliveira Silva[1]
Valéria Lopes

Resumo

O presente trabalho foi desenvolvido com o intuito de abordar a intertextualidade presente na obra O mundo de Flora, da escritora cearense Ângela Gutierrez, visando demonstrar como a Intertextualidade influência no sentido da obra, e a importância do diálogo com outras obras da literatura brasileira, como também os mosaicos e os cortes utilizados na narrativa.
Palavras chaves: Intertextualidade. Literatura. Diálogo.

Introdução

Esta pesquisa busca analisar uma obra Pós-modernista dentro da literatura Cearense. Na obra O mundo de Flora de Ângela Gutiérrez há várias características que a fazem uma obra Pós-modernista dentre elas estão à intertextualidade, o regionalismo moderno, a não linearidade, a polifonia, a cosmovisão, as colagens utilizadas pela autora, trazendo de textos de diferentes categorias como documentos, diários entre outros para dentro da narrativa.

A obra O mundo de Flora por ser uma narrativa que possui vários personagens com vozes narrativas é um enredo cercado de perspectivas do mundo, não se limita apenas ao mundo de Flora, vai mais além, fala do racismo, do amor, dos sonhos, nas visões de personagens que participam na construção do enredo, um dos pontos importantes da obra é a intertextualidade, a autora constrói seu texto com fragmentos, possuindo assim um papel riquíssimo nesse jogo de idéias.

À intertextualidade é considerada uma das características da geração Modernista devido a sua liberdade e inovação de fazer com que textos dialoguem entre si. Sobre a Intertextualidade Moisés (1997, p. 55) afirma que: “Na intertextualidade o texto literário se insere no conjunto dos textos é uma escrita réplica, a linguagem aparece como um diálogo entre textos.”, com isso compreendemos que a ligação entre obras, entre contos ajuda enriquecer e enaltecer obras já existentes como a própria narrativa que está usufruindo desse artifício.

A pesquisa é de cunho bibliográfico teórico, serviram de base para nossos estudos teóricos, esses vieram a somar em nossos analises em relação à Intertextualidade e a literatura.

2 Intertextualidade e Literatura

A intertextualidade não é algo limitado à literatura, ela aparece em vários campos da arte, como na pintura, no cinema entre outras, e quando a mesma faz junção com a literatura temos ai um jogo de informações, de conhecimentos prévios, de interpretações dentre outros.

O texto literário é um palimpsesto. O autor antigo escreveu uma ‘primeira’ vez, depois sua escritura foi apagada por algum copista que recobriu a página com um novo texto, e assim por diante. Textos primeiros inexistem tanto quanto as puras cópias; o apagar não é nunca tão acabado que não deixe vestígios, a invenção, nunca tão nova que não se apóie sobre o já-escrito. (SCHNEIDER, 1990, p.71)

Na intertextualidade o autor mescla sentidos, personagens, tempo, um livro não nasce do nada, baseia-se em algo já existente, é interessante em Dom Casmurro quando Machado faz menção ao lenço de Desdêmona de Otelo o mouro de Veneza, é uma intertextualidade que exige do leitor um conhecimento prévio do que se trata o lenço de Otelo.

Ângela Gutierrez também faz isso, quem era o homem da vassoura citado na narrativa, quem saberá que era o então presidente do Brasil da época, quem era Emilia, e o que ela representa na narrativa, são questionamentos que fazem com que o leitor discuta com a obra.

O escritor a se utilizar da intertextualidade corre risco de afastar o leitor, devido o mesmo ser leigo no assunto, ou de aproximar despertando a curiosidade do mesmo, a intertextualidade não nascera com o modernismo, nem com o naturalismo, ou com qualquer outra Escola literária, sempre o homem se utilizou de diálogos entre textos, desde a Grécia antiga até os dias atuais.

Para Bakhtin (1981, p. 263), “O texto é uma tessitura polifônica que dialoga com vários outros textos, outras vozes”, ou seja, desde sempre, o homem ao escrever quando nos remetemos à literatura, dialoga com outros textos, conscientemente ou inconscientemente.

Não limitemos a definir intertextualidade a diálogos de textos, podemos observar que tal definição não corresponde à importância da intertextualidade, Emilia em O mundo de Flora revela uma Flora que almeja sua infância, retrata suas angustias, seu sofrimento sua solidão, tudo isso a partir de um personagem “emprestado” de Monteiro Lobato, mas é um dos sentidos de tal processo, a interpretação, a subjetivação entre outros.

3 “O mundo de Flora” e sua Intertextualidade

Ângela Gutiérrez se utiliza bastante da intertextualidade, mas o que nos chama atenção é forma diferenciada que ela utiliza, observemos que Machado de Assis ao inserir Otelo O Mouro de Veneza em Dom Casmurro, ele não coloca diálogo entre Bentinho e Otelo, e Gutiérrez faz isso, coloca Emilia do Sitio do Pica pau amarelo, Obra de Monteiro Lobato, dialogando com Flora.

Acreditamos que tal técnica é de fato diferenciada, como Emilia e Narizinho entram na narrativa como personagens? Além de sua representatividade o leitor se vê diante de uma obra que sai de seu espaço e viaja dentro de outros mundos literários, mas não estamos afirmando que Gutiérrez “criou” tal técnica.

O que a autora fez foi utilizar a tão conhecida intertextualidade de uma forma mais espontânea, e mais dialogável: “-Mãe, e que remédio é esse que tu tem na mão”? - é um pó mágico filhinha, o pó de pirlimpimpim, que me levará num momentinho, para aquele lugar tão longe, onde seu pai está [...] (p.141).

O “pó de pirlimpimpim” tão utilizado por Emilia no Sitio do Pica pau amarelo de Monteiro lobato, agora é do mundo de Flora, veja que isso da uma representatividade na obra de forma rica, a magia da literatura se revela mais ainda aflorada neste momento e em tantos outros que a autora utiliza.

De fato intertextualidade é o diálogo entre textos, e também em Flora o diálogo entre personagens, e por que não um empréstimo de história do outro personagem, e como isso ocorre na obra O mundo de Flora, nos atentemos a passagem da narrativa exposta abaixo.

- Carpinteiro de meu pai,
Ai, não me cortes o cabelo.
Minha mãe me penteou.
Minha madrasta me enterrou, pelo figo da figueira
Que o passarinho picou. (p.42)

Durante este momento Flora não cita tal fábula aleatoriamente, ela a incorpora para representar seu momento, quem era a menina enterrada pela madrasta, não era mais a do conto, e sim a menina Flora, e são pontos como estes que chamam atenção da intertextualidade aplicada pela autora, além de fazer colagens que também são textos “emprestados”, a autora usa-se de poemas dentro da outra, mistura prosa e poesia, pois dentro do enredo surgem poemas, que dividem a narrativa junto com a prosa, é outra técnica que enriquece o texto, fazendo-o mais dinâmico e diferenciado.

Vários são os momentos que a autora faz menção a outras obras, no entanto ela as mescla as traz para dentro da narrativa, as incorpora, como Flora estava utilizando o pó de pirlimpimpim? Não era de Emilia? Por que Emilia Chama Flora e Narizinho para brincar? E a princesa esperando o príncipe no Castelo, seria quem na narrativa? São perguntas que surgem no leitor e que o faz querer conhecer não apenas o mundo de Flora, mas como também o pó de pirlimpimpim, a princesa no castelo, a filha do carpinteiro que foi enterrada e tantos outros textos que se fundem a obra.

A intertextualidade não entra em uma narrativa apenas para estilizar a obra, ela possui um papel que exige do leitor um conhecimento prévio de algo que está sendo mencionado, o texto desafia o leitor, a saber, do que se trata tal assunto, dialogando com o mesmo, a Literatura possui estes e outros papéis, pois é uma arte que requer de quem a experimenta um interesse, um senso de interpretação.

A Literatura é, pois, um sistema vivo de obras, agindo uma sobre as outras, e sobre os leitores, e só vive na medida em que estes a vivem, aceitando-a, decifrando-a, deformando-a, a obra não é produto fino, unívoco ante a qualquer publico, nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente seu efeito. (Candido,1987 p. 86).

Um texto parece querer resgatar algo de outro, durante a narrativa a autora de O mundo de Flora faz a menção a textos e personagens de outros contos e prosas, faz cortes e colagens, faz um jogo de informação e dinamicidade que envolve o leitor, mas o que nos chamou atenção na intertextualidade é o seu sistema vivo, mencionado por Candido (1987), ela da vida Emilia do sitio do Pica pau amarelo dentro de sua narrativa, Emilia brinca com Flora.

Mas até que ponto tal interferência de Emilia interfere no psicológico de Flora, de fato ela queria fugi de seu espaço, de seu momento, e se envolveu em um mundo criado mentalmente por ela, é uma intertextualidade que se envolve no psicológico do personagem.

Retrata um momento, um estado seu, a intertextualidade neste momento além de trazer consigo seu papel de dialogar entre textos, faz um jogo de informações que fazem com que o leitor interprete o que psicologicamente Flora estava querendo transmitir com tal passagem na Obra.

A literatura, assim como outras formas de manifestação artística, preenche a capacidade de ficção do homem, possibilitando por meio da palavra a recriação e reinvenção do universo. O “penetrar no mundo das palavras” drumondiano descortina, ao ser humano, o caminho do conhecimento, bem como o gosto da função estética. (Vieira, 1989, p.13).

Quando se utiliza de intertextualidade um texto além de dialogar com outro, o mesmo ativa no leitor uma necessidade de recriação de ficção que torne o texto dotado de informações validas para o leitor, através das palavras, das menções de outros textos, o texto resgata, revive outros textos que irão dar um novo sentido a narrativa.

4 Considerações Finais

Analisar a Intertextualidade em uma obra literária requer conhecimentos prévios, pois como podemos observar textos literários discutem entre si, a obra O mundo de Flora é rica em vários aspectos, porém nos remetemos a analisar apenas um deles a intertextualidade, estudo esse que não se encerra com este trabalho, ao contrário iniciará futuros estudos referentes a tal tema abordado.

A literatura nos propicia conhecimentos, discussões, entre outros e nesse trabalho mostramos que muito se tem para investigar nas obras literárias, que autores da nova geração como Ângela Gutierrez possuem assim como os cânones da literatura um vasto conhecimento e habilidade para enriquecer mais ainda a literatura.

A intertextualidade está presente na literatura desde os escritos clássicos da antiguidade, o homem sempre se baseia em algo já existente para confirmar ou negar algo, e estudantes das Letras, como também os leitores “comuns” precisam fazer ligações entre textos para um melhor aproveitando e entendimento de certas obras literárias.


5 Referências bibliográficas

BAKHTIN, M. Problemas da Poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981. P.263.

CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. 2.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967. 222 p. (Coleção Ensaios, volume 03).

GUTIÉRREZ, Ângela. O mundo de Flora, Edições UFC. 2008

MASSAUD, Moisés. Dicionários de termos literários. Editora Cultrix, 1997

SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & Cia, 7.ed. São Paulo: Ática, 2000

SCHNEIDER, Michel. Ladrões de palavras. Ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o pensamento. Trad. Luiz Fernando P. N. Franco. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.















[1] Alunas graduandas do sexto período do curso de Letras - Habilidade Língua Portuguesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA

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